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As comunicações governamentais na era da informação

Por Flávio Garcia Cabral



Beira o senso comum a afirmação de que hoje estamos todos conectados. Por meio de redes sociais, e-mails, smartphones, chamadas de vídeo, transmissões em tempo real, enfim, os instrumentos são os mais variados e a comunicação ocorre de diversas formas. Esse quadro da amplitude dos meios de comunicação e da velocidade destas chega também para a Administração Pública. Durante muito tempo se vinculou a ideia de que o princípio da publicidade para a atuação administrativa seria essencialmente a publicação dos atos em veículos oficiais como, por exemplo, o Diário Oficial da União (DOU). Apesar disso, a doutrina também sempre apontou que a publicidade da Administração deve se encaminhar para uma concepção mais ampla de transparência, no sentido de conferir uma publicidade não meramente formal, mas sim material. Ou seja, os atos, condutas, as mensagens transmitidas pelo Poder Público devem verdadeiramente alcançar seu destinatário, não bastando uma mera e simples publicação oficial que, convenhamos, pouquíssimos são os que a acompanham (brinca-se que somente aqueles que esperam resultados de concursos públicos e empresas participantes de licitação são quem leem com assiduidade os Diários Oficiais). Neste cenário, onde há uma urgência por comunicações governamentais mais dinâmicas e de maior abrangência, duas situações emergem e merecem estudo e cautela. O primeiro caso diz respeito às respostas encaminhadas por meio de e-mails institucionais, em particular (mas não só) pelas ouvidorias. Sobre essa situação, recentemente vivenciei um caso no qual determinada servidora realizou consulta à ouvidoria do Ministério da Economia e obteve uma resposta categórica acerca da possibilidade de tomar determinada conduta. A servidora, um pouco mais tranquila com esse respaldo do e-mail, foi questionada por um colega seu que afirmou que esse e-mail não garantia nada, já que era “só um e-mail”. Estaria esse servidor certo? Seria realmente o correio eletrônico uma comunicação sem valor algum? Veja que, salvo situações peculiares e excepcionais, esse e-mail institucional configura um nítido ato administrativo. Trata-se de uma manifestação do Estado, em clara referência à teoria do órgão. Assim, em atenção ao princípio da confiança legítima e da boa fé do administrado (para mencionar somente estes), a Administração Pública encontra-se responsável pelo teor dessa mensagem, estando vinculada a essa mensagem, ao seu teor. Mencione-se que mesmo a ausência de menção no e-mail de quem teria sido o agente público subscritor não retira o seu caráter de ato administrativo. É comum nesses tipos de comunicações a indicação somente do órgão ou do setor responsável pela informação. Isso basta, tendo em vista que a mensagem é encaminhada via correio eletrônico institucional (os conhecidos “.gov.br”). A pessoalidade do seu real subscritor, para fins de vinculação entre Administração Pública, o teor da mensagem e o administrado, é irrelevante (a apuração do real subscritor tem importância essencialmente para o direito administrativo sancionador, de modo a apurar se sua conduta do envio da mensagem eventualmente configurou algum tipo de infração administrativa ou mesmo para se investigar se houve usurpação ou falsificação do canal institucional por terceiros). Sublinhe-se que, por óbvio, deve-se também analisar o teor da mensagem para verificar até que ponto, dentro das balizas do regime jurídico administrativo, pode haver algum tipo de vinculação real da Administração Pública (um e-mail que ateste a posse de servidor público sem que sequer tenha havido concurso público, por exemplo, não pode, por certo, vincular a Administração Pública a dar posse a esse servidor. Cabe, contudo, apurar uma possível infração administrativa no envio dessa mensagem, o que só demonstra que essa mensagem configura um nítido ato administrativo praticado no exercício da função administrativa). O segundo ponto diz respeito à utilização de redes sociais como Twitter, Facebook, canais no Youtube, dentre outros, pelas instituições públicas[1]. Novamente, embora predomine nesses veículos o tom de maior informalidade, as informações ali divulgadas são emitidas pela instituição pública por eles responsável. Não se pode invocar o argumento de que ali se pode falar qualquer coisa e de qualquer maneira, porque não é “oficial”. Ao passo que se rompe um formalismo excessivo, permitindo outros meios de comunicação de maior alcance e dinamismo (sem com isso deslegitimar a exigência de publicações nos veículos oficiais tradicionais), a seriedade, fidedignidade, veracidade e clareza das comunicações emitidas pela Administração Pública devem sempre ser mantidas. A publicidade estatal e a utilização dos meios de comunicação pela Administração Pública passam por uma verdadeira revolução que ainda precisa ser mais bem compreendida pela doutrina do Direito Administrativo, mas, em especial, pelos próprios gestores: nem uma publicidade fictícia e de formalismo fetichista, nem uma publicidade descompromissada, sem parâmetros e que gerem insegurança jurídica.

 

[1] Aqui estamos limitados a analisar a utilização dessas redes sociais pela própria instituição. O seu uso pessoal por agentes públicos, como juízes ou mesmo pelo Presidente da República, que tem sido frequente, demanda um diferente tipo de análise, que deverá ser trabalhada em uma futura coluna.

 

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