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AS COMPRAS GOVERNAMENTAIS JUNTO AOS PEQUENOS NEGÓCIOS EM TEMPOS DE PANDEMIA - Uma breve abordagem acerca da Lei 13.979/2020

Por Eduardo dos Santos Dionizio*



1. Introdução

A pandemia instalada mundo a fora pelo novo coronavírus-COVID-19 está provocando em todos os setores da humanidade mudanças de comportamento que talvez jamais se imaginasse, especialmente em tempos de franca evolução tecnológica em que, o homem demonstra “quase” que total domínio de técnicas capazes de assegurar e facilitar a subsistência humana em todo o planeta.

Numa incrível velocidade e com capacidade de proliferação (contaminação) avassaladora, esse “inimigo invisível” aos olhos nus, de dimensões microscópicas, coloca em cheque a capacidade humana de lidar com situações de alto risco capaz de ceifar inúmeras vidas, sem que, uma solução definitiva seja dada de imediato.

Da “noite para o dia” assistimos quase que como meros espectadores, sonhos e projetos serem adiados e, porque não dizer roubados, sem falar nas inúmeras vidas ceifadas que, não fosse o árduo trabalho dos profissionais da saúde, os prejuízos seriam ainda maiores.

Tal situação tem exigido dos governos de todas as nações medidas urgentes para o enfrentamento da grave crise instalada pelo vírus, cujos impactos são de ampla abrangência, atingindo tanto entes públicos como privados.

Evidentemente que, em um ambiente de crise lidar com a diversidade de situações que dela surgem não é tarefa muito simples, mormente porque, no mais das vezes, as ações devem ser imediatas, não havendo a possibilidade de um planejamento mínimo, exigindo das autoridades públicas firmeza nas decisões o que também não é tão fácil assim.

O que se exige agora, de forma urgente, são ações efetivas de enfrentamento à crise instalada pelo novo coronavírus. Nesse sentido, a edição da Lei 13.979 de 06 de fevereiro de 2020, já alterada pelas Medidas Provisórias nº 926, 928 e 951 (até a elaboração do presente artigo) e regulamentada pelos Decretos 10.282 de 20 de março de 2020 e 10.288 do dia 22 do mesmo mês dão amparo normativo para que a atuação dos governos sejam legais e legítimas. Aguardemos mais e mais alterações e regulamentos que hão de vir.

Fato é que, ante a tudo isso, o direito público está posto à prova, especialmente o direito administrativo, cuja abrangência diz respeito ao dia a dia da vida das pessoas. São poucas as situações do cotidiano da sociedade em que não haja a efetiva ou potencial presença do Estado para quem a atividade administrativa está a serviço.

Não é intenção do presente estudo, adentrar aos riscos que correm a ordem jurídica constitucional e legal, haja vista que a situação exige a relativização da rigidez das leis, especialmente daquelas que tratam do controle das finanças públicas, a título de exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal. O cenário atual é assustador e exige, como já dito, medidas urgentes pelos governantes, o futuro, ninguém pode se atrever a dar respostas, mesmo porque, de rasa análise, já pode estar comprometido.

Nesse sentido, imperioso dizer: o momento hora vivenciado é inadequado para que se estabeleça uma queda de braço entre as intuições democráticas (Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário), tampouco interessa que uma se sobressaia melhor ou pior que a outra. A hora é de se demonstrar alto grau de eficiência na propositura de soluções que leve ao efetivo enfrentamento da atual crise (coronavírus) e da futura (desemprego) e seus desdobramentos.

2. A Lei “temporária” nº 13.979 de 06 de fevereiro de 2020 e as compras emergenciais

A Lei 13.979 estabeleceu uma série de providências que, “poderão”, ser adotadas pelos entes federados para o enfrentamento da emergência de saúde pública já reconhecida pelas autoridades mundiais ligadas ao assunto, especialmente a Organização Mundial da Saúde-OMS[1] e o Ministério da Saúde[2] aqui no Brasil com o objetivo de proteger a coletividade e o sagrado direito à vida.

Dentre as medidas que podem ser adotadas, estão aquelas voltadas às compras governamentais emergenciais, regra contida nos artigos 4º e seguintes da referida Lei que admite a contratação direta por dispensa de licitação para a aquisição de bens e serviços, inclusive de engenharia, e insumos desde que sejam destinados exclusivamente ao enfrentamento da situação de emergência decorrente do novo coronavírus.

O motivo para se comprar com base nos dispositivos da citada Lei é a “situação de emergência”, evento que não suporta aguardar o rito ordinário de uma licitação, sob pena de perecimento do maior bem jurídico a ser tutelado, qual seja, a vida humana. Sobre compras emergenciais vale a pena tomar por empréstimo a feliz lição de Edgar Guimarães[3] que, ao discorrer sobre casos de emergência ou calamidade pública nos termos do artigo 24, IV da Lei 8.666/93, nos ensina que,

O dispositivo se refere a situações em que a ausência da contratação imediata de determinado objeto, considerado urgente para fazer frente a uma situação emergencial ou calamitosa, cria risco considerável de prejuízo ou comprometimento da segurança de pessoas ou bens. Nestes casos, há uma manifesto antagonismo entre a realidade burocrática típica da instauração e processamento da licitação e a urgência no atendimento da situação emergencial.

Referida norma inaugura no ordenamento jurídico brasileiro mais uma hipótese de contratação direta, que, de plano, não se confunde com aquelas previstas nos artigos 24 (dispensa) e 25 (inexigibilidade) da Lei 8.666/93. Vale ressaltar que, na Lei Geral de Licitações tais possibilidades são de caráter abrangente e, podem ocorrer a qualquer tempo, desde que obedecidos os critérios lá estabelecidos.

Importante ressaltar que a dispensa de licitação prevista na Lei 13.979 é de natureza temporária, cuja aplicação está expressamente condicionada ao período em que perdurar a pandemia, conforme preconiza o § 1º de seu art. 4º.

Embora de afeição temporária e especificamente voltada ao enfrentamento da situação de emergência, a Lei obriga (Art. 4º, § 2º) que todas as contratações ou aquisições dela decorrentes, submetam-se aos princípios norteadores da atividade administrativa especialmente os da legalidade e da publicidade, sem prejuízo do cumprimento da transparência ativa e acesso à informação assegurados no artigo 8º da Lei 12.527/2011 (Lei de acesso à informação).

Por óbvio, não está o gestor publico autorizado a realizar contratações diretas com base na Lei 13.979 em desobediência aos critérios que a mesma estabeleceu, haja vista que uma vez adotada, presumem-se atendidas as condições de ocorrência efetiva da situação de emergência, necessidade de pronto atendimento, existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens públicos e particulares e a contratação limitada ao atendimento da situação de emergência (Art. 4º-B). Tais condições são de observância obrigatória pela administração, sob pena de responsabilidade de quem der causa ao descumprimento de tais preceitos.

Aspecto relevante da Lei é, como já mencionado, a excepcionalidade do dever de licitar, cuja regra está insculpida no Art. 37, XXI da CF/88, bem como no Art. 2º da Lei 8.666/1993. Para o momento em que vivenciamos (pandemia) a compra governamental deve guardar relação direta com o seu enfrentamento, feito isso, alguns aspectos essenciais de uma contratação ordinária estão dispensados pela Lei 13.979/2020 com é o caso da inexigibilidade de estudos técnicos preliminares-ETPs quando se tratar de bens e serviços comuns, bem como a admissão de termo de referência e projeto básico simplificados (Arts. 4º-D e 4º-E da referida Lei).

É de se observar que, ante a existência de situação de emergência, está o gestor público autorizado a adquirir bens e serviços comuns de forma mais célere. Ressalte-se que a proteção à vida, bem jurídico tutelado de maior relevância, não pode aguardar longos procedimentos licitatórios com todos os seus desdobramentos, sob pena de perecimento deste sagrado direito. Neste ponto o legislador, atento à necessidade de socorro imediato, reduziu pela metade os prazos da licitação na modalidade de pregão quando o objeto fora aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência (Art. 4º-G).

Importa mencionar que a celeridade no procedimento não pode jamais suplantar os requisitos legais e de transparência, conforme explicou recentemente o secretário de Gestão do Ministério da Economia, Cristiano Heckert, para quem:

“Nossa proposta é tornar a aquisição mais célere para que não falte nenhum material para o atendimento da população que depende do Sistema Único de Saúde (SUS). Foram medidas para tornar mais ágil o processo sem deixar de observar os requisitos legais de controle e transparência”.[4]

3. A covid-19 e seus impactos nos pequenos negócios

Já era de se esperar que a crise instalada pelo coronavírus impactasse diretamente na atividade econômica mundial como temos visto em nosso cotidiano e amplamente noticiado pela mídia. Para o Secretário da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE Angel Gurría[5], “...o choque econômico já é maior que a crise financeira de 2008”. Nas palavras do Secretário, é quase impossível acreditar que os países vão se recuperar rapidamente, haja vista que não se pode estimar a dimensão de desempregos e de falências empresariais que estão por vir.

O relatório de Acompanhamento Fiscal nº 39 de 13 de abril de 2020 elaborado pelo Instituto Fiscal Independente do Senado Federal[6], aponta que a paralisação da atividade econômica, aliada ao repentino aumento dos gastos públicos com o combate à pandemia pode comprometer a economia brasileira pelos próximos dez anos. Diz o relatório que,

Os dados do faturamento do setor varejista indicam quedas de 25%, nos oito primeiros dias de abril, corroborando um quadro de provável queda expressiva da atividade econômica em 2020. O cenário pessimista deve ser tomado com maior atenção, desta vez. Seus efeitos teriam repercussão sobre a renda, o emprego e os indicadores fiscais, a exemplo das receitas, do déficit primário e da dívida pública.

(...)

Nesse contexto, a dívida pública crescerá fortemente em 2020, devendo encerrar o ano em 84,9% do PIB e crescendo, no cenário base, até mais de 100% do PIB em dez anos. Esse aumento se dará a taxas decrescentes, o que indica possível estabilização nos três anos após 2030, mas trata-se de um quadro muito negativo, que demandará esforço das autoridades para recobrar um quadro de relativa normalidade no pós-crise do coronavírus.

Para qualquer governo, o aumento de gastos associado à queda de receitas é uma situação um tanto quanto desastrosa, posto que, compromete diretamente o resultado primário[7], provocando latente desequilíbrio orçamentário e nas metas fiscais. Os reflexos deste descompasso produzem severos efeitos negativos, especialmente no crescimento econômico como já é possível sentir.

Informações como essas nos levam a crer que, mesmo com o fim da pandemia, o setor empresarial passará por inúmeros desafios até que alcance desejável grau de recuperação dos efeitos da crise.

O governo brasileiro, por intermédio do Banco Central do Brasil e o Conselho Monetário Nacional adotaram uma série de medidas voltadas a “dar um fôlego de vida” as médias, e microempresas[8]. São linhas de créditos que vão desde a renegociação de dívidas até recursos destinados a financiar a folha de pagamento (vide portal do Sebrae na internet). Sabe-se, contudo que, não obstante o elevado grau de importância que tem esses auxílios, por sinal, muito bem vindos para o atual momento, os mesmos geram ônus futuros a serem suportados pelos pequenos negócios. Exigirá do devedor num futuro próximo algum tipo de esforço extra para honrar com tais compromissos.

Diversos estudos têm demonstrado que os pequenos negócios são responsáveis pela maioria dos empregos com carteira assinada. O Serviço Brasileiro de Apoio as Micro e Pequenas Empresas-SEBRAE aponta que dos 6,4 milhões de estabelecimentos no Brasil, 99% são micro e pequenas empresas distribuídas em 72% dos municípios brasileiros com menos de 20 mil habitantes. Estes empreendimentos respondem por 52% dos empregos com carteira assinada, chegando ao patamar de 16,1 milhões de empregados[9]. Segundo o mesmo Sebrae, os Microempreendedores Individuais já chegaram a 10 milhões (abril/2020).

Notadamente, este é um universo que não pode ser relegado ao acaso, haja vista que, conforme estes dados, especialmente nas pequenas cidades, os pequenos negócios funcionam como um verdadeiro “motor” da economia local. Canalizar esforços para o fortalecimento deste setor da economia, especialmente em momentos de crise passa a ser quase que um dever dos governos.

4. A importância das compras emergenciais junto aos pequenos negócios em tempos de pandemia

O setor público brasileiro é, comprovadamente, o maior comprador. Seja na aquisição de bens e serviços comuns ou obras e serviços de engenharia, o volume de recursos que anualmente se desembolsa é muito grande. Nas pequenas cidades esta realidade é ainda mais presente, haja vista o baixo nível de empreendimentos de grande porte, o que coloca o poder público como forte indutor da economia local.

A Lei Complementar nº 123/2006 trouxe uma série de possibilidades voltadas à fortalecer a economia local por meio das compras governamentais junto às micro e pequenas empresas. Dedicou uma sessão inteira (artigos 42 a 49) com normas que asseguram o tratamento diferenciado e favorecido aos pequenos negócios nas aquisições governamentais.

De acordo com a Lei Geral – como é assim conhecida –“as licitações públicas realizadas nos âmbitos federal, estadual e municipal devem obrigatoriamente dar tratamento diferenciado e favorecido às micro e pequenas empresas, como forma de promover o desenvolvimento econômico e social, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica”[10].

Sobre a preferência nas compras públicas juntos às micro e pequenas empresas, prevista na Lei Complementar 123/2006, Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães[11] em feliz análise lecionam que,

Ao estabelecer tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e empresas de pequeno porte, a elas deu preferência nas aquisições de bens e serviços pelo poder público. Ou seja, criou-se – em relação às aquisições publicas – ambiente no qual é imputado àquelas empresas tratamento preferencial e diferenciado.

Nesse sentido, mesmo em situação de normalidade,é dever da administração pública em suas licitações, assegurar tratamento diferenciado e favorecido aos pequenos negócios. Dentre eles: i) exigir a comprovação da regularidade fiscal apenas no ato da contratação, considerando prazo adicional para sanar restrições; ii) assegurar em caso de empate, a possibilidade de negociação e a preferência para contratação de micro ou pequena empresa; iii) realizar licitações exclusivas para os pequenos negócios nas compras com valor até R$ 80.000,00; iv) exigir dos licitantes a subcontratação de micro e pequena empresa e; v) estabelecer em certames para aquisição de bens de natureza divisível cota de até 25% para a contratação de MPE.

É de se observar que a Lei, de per si, já abre uma série de possibilidades de tratamento favorecido aos pequenos negócios, permitindo ao gestor público nas compras governamentais adotar medidas tendentes ao fortalecimento deste segmento empresarial.

Indaga-se, portanto: em momentos de crise como o que estamos passando, é possível que a administração promova tratamento favorecido e diferenciado aos pequenos negócios? Obviamente que a resposta é sim, até por uma questão de desenvolvimento local, distribuição de riqueza e círculo virtuoso dos recursos públicos.

No momento em que vivemos uma crise sem precedentes, de forte impacto social e econômico, o incentivo aos negócios locais toma importância ainda maior. Dessa forma, a manutenção e a ampliação das compras públicas junto às micro e pequenas empresas podem ser cruciais para a sustentabilidade de inúmeros municípios.

O momento é mais que oportuno para que o gestor descubra efetivamente quais são as potencialidades que seu município oferece, especialmente para o fornecimento de bens e serviços voltados ao enfrentamento da situação de emergência em saúde pública. Se a Lei 13.979/2020 propôs procedimentos mais céleres para essas aquisições, alguns produtos e serviços podem ser oferecidos em âmbito local e, certamente com a qualidade que se exige.

Visivelmente, falta ao gestor encorajamento e a necessária segurança jurídica para adotar mecanismos de aquisições junto ao comércio local. Nos parece que existe um certo temor do ordenador de despesas quanto à atuação dos órgãos de controle e de sofrerem eventuais penalidades. É o chamado “apagão das canetas” conforme muito bem analisou o Ministro Bruno Dantas do Tribunal de Contas da União[12].

É bem verdade que casos isolados de exacerbação da atuação do controle – diga-se Ministério Público e Tribunal de Contas – têm de certa forma ocorrido, isso é bastante evidente. Parafraseando o citado Ministro, o gestor público teme tomar determinadas decisões por medo de responsabilização superveniente, se acanham diante do poder que detêm e serviços públicos relevantes deixam de chegar até o cidadão.

De outro modo, tem se verificado que falta à administração a observância de elementos essenciais nos procedimentos de contratação pública, isso passa pela legalidade, a legitimidade, a motivação e, não menos importante, pela necessária transparência. De todos, temos que a motivação se constitui no núcleo central das aquisições públicas. A razão pela qual a administração necessita contratar com terceiros, bens, obras e serviços deve ser claramente evidenciada no processo administrativo pertinente.

Deve o gestor expor claramente a situação fática a ser resolvida, seja por meio da licitação ou por contratação direta. As razões de fato e de direito que justifiquem a prática do ato administrativo não se constitui em mera faculdade, mas sim em um dever inarredável.

Uma motivação robusta seguida de procedimentos claros e transparentes reveste a pratica do ato de ampla legitimidade, tornando-o quase blindado de eventuais questionamentos.

No caso do enfrentamento da pandemia, a Lei 13.979/2020, como já abordado no presente trabalho, autoriza a adoção da dispensa de licitação nas aquisições, porém, não está o gestor legitimado a aplicá-la de forma desenfreada, sem que critérios claros e objetivos sejam rigorosamente observados. O bem, produto ou serviço a ser contratado com base na lei deve ter exclusiva destinação ao enfrentamento da crise.

Neste cenário, absorver as potencialidades dos pequenos negócios não só é possível, como representa uma forte oportunidade de aquecimentoda economia local.

Nesse sentido, é de bom alvitre trazer à baila importante recomendação prevista em encarte denominado “SEBRAE – Parceiro dos Prefeitos” produzido pelo Sebrae[13] que de forma brilhante trata do prestígio aos comerciantes do Município (Passo 3) que assim assevera:

O comércio local é o setor que mais se beneficia com o aumento da circulação do dinheiro no município e é também um dos maiores empregadores. Mais gente consumindo resulta em uma economia mais dinâmica, mais emprego, mais tributos e novos investimentos. Por isso, o comércio merece esforços da prefeitura para reduzir a informalidade, aquecer as vendas e, em consequência, aumentar a arrecadação própria e as transferências de tributos estaduais e federais.

O fomento à economia do Município, por meio das compras governamentais é, sem sombras de dúvidas, mecanismo eficaz de incremento aos negócios locais. A circulação de dinheiro em âmbito local favorece um ambiente propício ao desenvolvimento, haja vista que a sua consequência prática é especialmente a geração de empregos e de tributos, eis aí o “circulo virtuoso da economia”.

Se, para fazer frente aos problemas gerados pelo coronavírus a celeridade na entrega de produtos ou serviços é medida que se impõe, faz todo sentido fazê-lo junto ao comércio local. Evidentemente que, uma série de requisitos devem ser observados, dentre eles, o preço que, na sua essência, não pode e nem deve, ser incompatível com o praticado no mercado.

A título de exemplo, no caso específico da área da saúde e ainda mais para atender a demandas decorrentes da COVID-19, Equipamentos de Proteção Individual – EPIs (máscaras protetores, lençóis, aventais, etc...), são muito utilizados, haja vista a necessidade de seu descarte imediato pós-uso. Para tanto, costureiras da própria cidade podem se tornar fornecedoras de muitos destes materiais, basta que a administração descubra esses potenciais fornecedores. Inúmeras são outras oportunidades de valorização do comércio local.

Não se propõe o presente ensaio, afrontar o objetivo maior da licitação que, de acordo com a constituição e as leis, deve permitir a ampliação da competitividade e assegurar a isonomia entre os interessados em contratar com a administração. Muito pelo contrário, sugere-se que as compras junto aos pequenos negócios, sejam realizadas em estrita observância aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da publicidade, da motivação e da isonomia.

Uma vez atendidos estes princípios, acompanhados da devida transparência na prática dos atos administrativos, é altamente possível, conciliar atendimento ao interesse público e desenvolvimento local sustentável. Nesse sentido, estaria as compras governamentais cumprindo importante papel social.

Espera-se que esta breve análise sirva precipuamente como provocação à manutenção do emprego e da renda em âmbito local e, sobretudo, à preservação da vida humana.

5. Conclusão

A chegada inesperada do novo coronavírus, causador da COVID-19 provocou em todos os setores da sociedade inúmeros transtornos, capazes de interferir drasticamente no cotidiano das pessoas. Forçadamente os indivíduos se viram obrigados a alterar suas rotinas, no trabalho, na família e na comunidade. Ao poder público, a quem cabe o dever de proteção à vida, coube a árdua tarefa de adotar duras e necessárias medidas, que vão desde a restrição na circulação de pessoas (isolamento e distanciamento social) até o fechamento temporário de estabelecimentos comerciais.

De todo modo, o nefasto vírus colocou, de uma hora para outra, a humanidade em choque e a eficiência dos governos à prova. A situação posta exigiu e está exigindo da administração pública as necessárias habilidades para promover o enfrentamento à pandemia.

Repentinamente os orçamentos públicos tiveram que ser redimensionados, realocações de dotações e de verbas orçamentárias passaram a ser necessárias e, os decretos de calamidade pública abriram a possibilidade de relativização dos rigores da Lei de Responsabilidade Fiscal-LRF.

É inegável que, devido a esse conjunto de acontecimentos que passam desde o constante medo que se instalou nas pessoas, até a dor que amarga as famílias que perderam seus entes queridos em função da covid-19, o poder público terá que provar, de uma forma ou de outra, que o Estado é fundamentalmente necessário a seus governados.

De tudo isso, como era de se esperar, os impactos da crise chegou – e de forma muito rápida – ao seio da atividade econômica. Segundo a CNN Brasil Businnes[14], até 09 de abril de 2020, mais de 600 mil microempresas fecharam suas portas e mais de 9 milhões de pessoas perderam seus empregos. Um quadro nada animador se pequenas ações não forem persistentemente adotadas.

As micro e pequenas empresas, bem como os microempreendedores individuais, conforme abordado no presente estudo, são fornecedores em potencial que podem a partir de seus produtos e serviços atender a contento às demandas da administração para dar suporte ao combate à pandemia. Basta que, para tanto, o gestor tome iniciativas no sentido de buscar esse mercado e, com base na lei promova as necessárias aquisições.

A intenção do presente trabalho foi demonstrar que é possível conciliar compras governamentais com desenvolvimento local, sem prejuízo da observância dos princípios norteadores da atividade administrativa, especialmente os da legalidade, da impessoalidade, da motivação e da transparência.

Buscou-se com base na Lei 13.979/2020 demonstrar que, as compras de bens, serviços e insumos, que exijam urgência em razão do enfrentamento da covid-19, podem ser adquiridos por contratação direta com base na figura da dispensa de licitação e, sempre que possível, viável e adequado, junto ao comércio local.

Nossa esperança é que essa fase crítica de nossa história seja passageira e que tenhamos as necessárias forças e a devida criatividade para superar no menor tempo possível todas as perdas que atingiu de cheio todos os seguimentos da sociedade. É o nosso desejo.

*Eduardo dos Santos Dionizio. Graduado em Direito pela Faculdade Estácio de Sá de Campo Grande-MS e em Pedagogia pela Universidade Católica Dom Bosco/MS; Advogado inscrito na OAB/MS.  Professor em Cursos de Pós-Graduação e Instrutor na Escola Superior de Controle Externo do TCE/MS; Conferencista; Parecerista; Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade de Santa Cruz do Sul/RS, em Direito do Estado com ênfase em Controle Externo pela Universidade UNIGRAN-Capital/MS e em Gestão Escolar pela Universidade Federal do Estado de Mato Grosso do Sul; Secretário de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.

6. Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: mai. de 2020.

BRASIL. Lei 4.320 de 17 de março de 1964. Institui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4320.htm. Acesso em mai. de 2020.

BRASIL. Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm. Acesso em: mai. de 2020.

BRASIL. Lei 12.527 de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12527.htm. Acesso em: mai. de 2020.

BRASIL. Lei 13.979 de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp101.htm. Acesso em: mai. de 2020.

BRASIL. Senado Federal-Instituto Fiscal Independente. Relatório de Acompanhamento Fiscal. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/570660/RAF39_ABR2020.pdf

GUIMARÃES, Edgar. Contratação Direta, Comentários às hipóteses de licitação dispensável e inexigível. 2. ed. Editora Negócios Públicos do Brasil, Curitiba: 2015. p. 65.

SANTANA, Jair Eduardo, GUIMARÃES, Edgar. Licitações e o estatuto da pequena e microempresa: reflexos práticos da LC 123/06.; prefácio Benjamim Zymler – 3. ed. rev., atual. e ampl.  - elo Horizonte. Fórum, 2014. p. 28.

[1] Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde-OMS declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional haja vista que o novo coronavírus ultrapassou as fronteiras originárias (China) se alastrando por inúmeros países do mundo.

[2] A Portaria nº 188, de 3 de fevereiro de 2020 do Ministério da Saúde Declarou Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV).

[3] GUIMARÃES, Edgar. Contratação Direta, Comentários às hipóteses de licitação dispensável e inexigível. 2. ed. Editora Negócios Públicos do Brasil, Curitiba: 2015. p. 65.

[4] Notícia: Governo Federal já investiu mais de R$ 1 bilhão na compra de insumos de saúde. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2020/abril/governo-federal-ja-investiu-mais-de-r-1-bilhao-na-compra-de-insumos-de-saude.

[5] Notícia: Entrevista concedida à BBC em 23 de março de 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52002332

[6] Relatório de Acompanhamento Fiscal. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/570660/RAF39_ABR2020.pdf

[7] O resultado primário é definido pela diferença entre receitas e despesas do governo, excluindo-se da conta as receitas e despesas com juros.

[8] Medidas do Sistema Financeiro  para apoio aos Pequenos Negócios durante a pandemia do COVID-19. Disponível em:https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/veja-as-principais-medidas-financeiras-adotadas-para-conter-a crise,155168e2ce8f0710VgnVCM1000004c00210aRCRD

[9]Disponível em: https://m.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/sp/sebraeaz/pequenos-negocios-em-numeros,12e8794363447510VgnVCM1000004c00210aRCRD

[10] Disponível em: https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/sebraeaz/lei-geral-completa-10-anos-e-beneficia-milhoes-de-empresas,baebd455e8d08410VgnVCM2000003c74010aRCRD

[11] Licitações e o estatuto da pequena e microempresa: reflexos práticos da LC 123/06. Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães – Belo Horizonte. Fórum, 2014. p. 28.

[12] Apagão das Canetas: “Incompetência não pode ser tratada como improbidade”, diz Ministro do TCU. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-mai-30/incompetencia-nao-improbidade-ministro-tcu

[13] Fonte: https://www.sebrae.com.br

[14] Notícia: Mais de 600 mil pequenas empresas fecharam as portas  com coronavírus. Disponível em:  https://www.cnnbrasil.com.br/business/2020/04/09/mais-de-600-mil-pequenas-empresas-fecharam-as-portas-com-coronavirus

 

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