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Genérico ou específico? Afinal, qual o dolo exigível no novo regime de improbidade administrativa?

Por Rodrigo Valgas



Os estudiosos do Direito Público brasileiro voltam seus olhos ao estudo de uma das grandes novidades no regime de responsabilização por atos de improbidade no Brasil:  a edição da lei 14.230/21. A despeito da norma manter a numeração original da lei 8.429/92, a verdade é que foi intensamente reformulada, passando a existir, se não uma nova lei, certamente um novo regime de improbidade no país. 

Em nossa perspectiva, há muito carecíamos da necessária revisão da 8.429/92. Mas a despeito de muitos avanços, estes não deixam de serem secundados por muitos desafios. Dentre eles, um dos que nos chama a atenção e foco central deste texto, trata do tipo dolo exigível para que se possa promover uma Ação de Improbidade Administrativa contra os agentes públicos. Ao longo deste texto, pensamos estar bem demonstrado que o dolo exigível é o específico, e, para além disso, em face do princípio de Direito Administrativo Sancionador - DAS da retroatividade da lei mais benigna, mesmo as condenações com dolo genérico poderão ser revistas pelo Poder Judiciário pela exigência do dolo específico no atual regramento. 

1) A superação da modalidade culposa 

Antes de adentrarmos propriamente na questão do dolo, não podemos deixar de registar que um dos avanços mais relevantes na Lei 14.230/2021 foi eliminar a improbidade culposa, em quaisquer das modalidades (negligência, imprudência ou imperícia), ou gradação da culpa (levíssima, leve ou grave). Quando debatemos o conceito jurídico de improbidade, percebemos ser absolutamente incompatível no binômio "improbidade-desonestidade" a ocorrência de qualquer modalidade culposa. 

Nunca se ouviu dizer que alguém seja desonesto por acidente, sem desejar sê-lo. Entretanto, por muito tempo o tema gerou muitas controvérsias na doutrina e na jurisprudência, especialmente porque a redação originária da Lei 8.429/1992 previa no art. 10, caput, a modalidade culposa. 

De toda sorte, as condutas culposas praticadas por agentes públicos que levem ao dano ao erário, ainda que por culpa grave ou erro grosseiro (art. 28 da Lei 4.657/42 - LINDB, e art. 12 e parágrafos do decreto 9.830/19) e desde que não incida alguma excludente de responsabilidade, podem e devem ser objeto de ressarcimento civil ou administrativo. Isto não está em questão. O que nos parecia incontornável é que os comportamentos culposos, apesar de indenizáveis, não podem ser objeto de ações de improbidade, e do extenso feixe de sanções de ordem política e civilmente qualificadas, como agora enfatiza o art. 1º, §1º da LIA. 

2) Caracterização do dolo nas ações de Improbidade Administrativa 

Não obstante tais avanços, a nova redação da LIA trouxe novos desafios, especialmente no tocante ao tipo dolo exigível para incidência das suas sanções. Será o dolo genérico ou o dolo específico? 

Por dolo quer-se designar como a vontade consciente e dirigida de realizar ou mesmo aceitar a conduta prevista no tipo. A doutrina penal costuma enfatiza que o art. 18 do Código Penal consagrou a teoria da vontade no dolo direto e a teoria do consentimento para o dolo eventual. 

O problema do dolo nas ações de improbidade já vem de longa data. O STJ firmou entendimento que o dolo nas ações e improbidade pode ser genérico, direto ou eventual. Exemplo de tal posicionamento pode ser trazido no REsp. 765.212/AC, onde o Relator, Min. Herman Benjamin, assentou: "Ainda que se admita a necessidade de comprovação desse elemento subjetivo, forçoso reconhecer que o art. 11 não exige dolo específico, mas genérico: "vontade de realizar fato descrito na norma incriminadora".[1]

Tal entender tem sido a posição do STJ em julgados mais recentes (anteriores à lei 14.230/21), a exemplo do AGInt nos EREsp 1.107.310/MT, Rel. Min Sérgio Kukina, que assentou em seu voto: "(...) a fundamentação constante do acórdão embargado deixa ver a desenganada presença do elemento subjetivo (dolo genérico) necessário à materialização da conduta prevista no art. 11 da Lei nº 8.429/92, porquanto houve deliberada e permanente violação à regra de exigência de concurso público."[2]

A matéria foi inclusive objeto de Jurisprudência em Teses do STJ: "O ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei n. 8.429/92 não requer a demonstração de dano ao erário ou de enriquecimento ilícito, mas exige a demonstração de dolo, o qual, contudo, não necessita ser específico, sendo suficiente o dolo genérico."[3]

Todavia, tal entendimento não nos parecia sustentável sequer na redação originária da LIA. 

Com efeito, não é suficiente para caracterização da improbidade administrativa a mera violação à lei. Diante da complexidade da aplicação do emaranhado normativo brasileiro, é quase impossível aos agentes públicos não "descumprirem" a lei[4]. Para fins de improbidade o relevante é saber se tal descumprimento teve por finalidade em atingir o bem jurídico tutelado pela lei 8.429/92. Não se pode confundir mera voluntariedade, com a vontade livre e consciente de praticar ou deixar de praticar atos de modo a ferir a probidade (honestidade) na Administração Pública. Quem causou algum dano por descumprir a norma pode estar sujeito à responsabilização civil, mas não estará, necessariamente, sujeito às sanções de improbidade. 

Ainda sob a égide da redação originária da lei 8.429/92, Márcio Cammarosano e Flávio Unes realizaram pertinente crítica a esse entendimento do STJ, pois a mera violação da norma não poderia implicar violação automática da probidade: "O que se vê, neste ponto, é o esvaziamento do avanço jurisprudencial sobre a indispensabilidade de conduta dolosa para as hipóteses dos artigos 9º e 11, da Lei de Improbidade, caso se aplique a tese do dolo genérico ou dolo eventual sem a devida perquirição da vontade de realizar a hipótese vedada pela norma."[5]

Outro aspecto relevante é que não se pode confundir dolo com má-fé, sendo mesmo desnecessária a má-fé para se aferir a conduta típica. Todavia, a má-fé é "condição adequada para imputação da improbidade administrativa ao sujeito, reportando-se, como equivalente funcional, ao conceito de consciência da antijuridicidade.".[6]

A aferição do dolo e mesmo a presença da má-fé dificilmente são objeto de prova direta. Segundo Vivian Maria Pereira Ferreira, tanto o dolo como a má-fé poderão ser determinados "por uma operação racional, legitimamente realizada pelo julgador, a partir de fatos conhecidos e suficientemente provados. É apenas a partir do momento em que são inseridos em um discurso racional que os fatos provados podem conduzir à conclusão de que, em determinado contexto, a ação é justificável (ou não) em face dos princípios que regem a Administração Pública."[7]

A atual redação dada pela lei 14.230/21 veio a asseverar ainda mais a necessidade do dolo específico para se aferir improbidade administrativa[8]. Senão vejamos. 

Primeiro, a lei 14.230/21 dirimiu de uma vez por todas que a mera voluntariedade não pode ser confundida com dolo, com a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito. Embora tal entendimento tenha sido já sedimentado no julgamento do REsp. 765.212/AC, mesmo neste caso o Min. Herman Benjamin inicialmente sustentara ser necessária apenas a voluntariedade da conduta, vindo a prevalecer o entendimento do Min. Mauro Campbell Marques que entendeu ser necessário o elemento subjetivo do agente, aferindo-se sua intenção e vontade. 

Nessa esteira, o art. 1° § 2° da LIA dispõe: "Art. 1º (...) § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente." 

A lei 14.230/2021 foi além. Asseverou que o mero exercício de função administrativa, sem que haja o ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilização por improbidade. A saber: "Art. 1° (...) § 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa." 

Este dispositivo visou evitar que meros descumprimentos das normas pelos administradores - mesmo sem os deveres mínimos de cuidado - possam ser considerados atos ímprobos, pois para que assim sejam, deverão ter sido praticados com a finalidade ilícita. 

Em segundo lugar, adotando-se a teoria finalista da ação[9], o tipo é a descrição concreta da conduta proibida, é uma figura puramente conceitual. Já a antijuridicidade é a contradição da realização do tipo de uma norma proibitiva, com o ordenamento jurídico em seu conjunto[10]. Como assevera Luiz Regis Prado: "Vale dizer: o juízo normativo incide sobre o atuar humano como dado real e anterior"[11].

Fossemos analisar o dolo no novo regime de improbidade com base apenas nos tipos contidos nos incisos dos artigos arts. 9°, 10 e 11 da LIA, sem qualquer perspectiva sistemática, a princípio teríamos tipos que demandariam ora dolo genérico, ora dolo específico. Senão vejamos. 

O art. 10, V da LIA aparentemente exigiria apenas dolo genérico: "V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;" 

Já o art. 11, VI demandaria dolo específico no tipo: "VI- deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades;" Portanto, referido tipo demanda um fim especial de agir para se alcançar o resultado ilícito. 

O tipo do art. 10, VII da LIA, assim prescreve: "Art. 10 (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva;" A despeito da inovação normativa que agora exige "perda patrimonial efetiva", o tipo poderia comportar, isoladamente, o conceito de dolo genérico. 

De todo modo, a questão não está cingida apenas ao tipo de dolo exigível. Como visto anteriormente, para caracterização da improbidade não basta o genérico descumprimento da norma; ainda que não se confunda com dolo, a má-fé é condição necessária para imputação de improbidade aos agentes públicos. 

Em terceiro lugar, a lei 14.230/21 exigiu expressamente dolo específico para todos os tipos de improbidade, quer os da própria LIA ou mesmo os previstos em leis especiais. Isto decorre do fato que o novo regime de improbidade deve ser interpretado tendo em conta seus diversos dispositivos. A LIA determina que apenas haverá improbidade, quando for comprovado que a conduta funcional do agente público tenha por fim a obtenção de vantagem para si, a outrem ou a entidade. Portanto, para além da conduta típica, a lei exigiu uma finalidade especial[12]. 

O art. 11, §1º da LIA dispõe: "§ 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade." 

Perceba-se que tal dispositivo não se aplica exclusivamente à violação a princípios. Por força do art. 11, §2° da LIA aplica-se o § 1º a quaisquer tipos de improbidade instituídos por lei. A saber: "Art. 11 (...) §2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei." 

Doravante, o dolo específico integra - por força de lei - todos os tipos de improbidade. 

Em defesa do legislador, o tema deveria mesmo ser tratado de modo mais amplo, pois seria maçante enunciar o fito de vantagem pessoal em todos os tipos e incisos da LIA. O que poderia ter sido melhor pensado era fazê-lo em artigo próprio e não em parágrafos inseridos no art. 11. Pode-se até criticar a técnica legislativa do legislador em optar por alocar pela finalidade especial de obter vantagem em todos os tipos de improbidade no art. 11 §1° c/c §2º da LIA, mas não se pode negar que esta foi sua expressa determinação. 

Em similaridade a redação do art. 11, §1º c/c §2º da LIA, a exigência de dolo específico em obtenção de vantagem pessoal a si ou a outrem é o que atualmente dispõe o art. 337-F do Código Penal: "Art. 337-F. Frustrar ou fraudar, com o intuito de obter para si ou para outrem vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, o caráter competitivo do processo licitatório: Pena - reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa." 

A Jurisprudência do STJ já consagrou que o tipo do art. 337-F (antigo art. 90 da Lei 8.666/1993), exige dolo específico, pois é indispensável à intenção de obter vantagem a si ou a outrem na adjudicação do objeto. Mesmo que seja irrelevante efetiva a obtenção ou não da vantagem; que haja ou não prejuízo ao erário; o fato é que é necessário que o agente que praticou o crime tenha agido com o fim específico de obtê-la.[13]

Ademais, em nossa opinião, a atual redação compreende no conceito de dolo específico mesmo condutas que possam gerar benefício indireto ao praticante do ato ímprobo, como no exemplo trazido em palestra pelo Prof. Emerson Garcia, quando aventou que teria preocupações de como seria punível por improbidade alguém que colocasse fogo nos registros documentais do município, visando prejudicar (e não beneficiar) seu sucessor. Ora, salve melhor juízo, esta conduta é ímproba porque antes de prejudicar alguém, tal conduta visou beneficiar quem a praticou, ainda que para atender seus torpes e ímprobos objetivos políticos. 

Sendo assim, em todos os tipos de improbidade quer na LIA ou leis especiais, sempre será necessário demonstrar que a violação do tipo teve uma finalidade especial de proveito próprio ou alheio, não mais subsistindo um mero dolo genérico na violação dos tipos. 

3) Retroatividade do dolo específico para as condenações fundadas apenas no dolo genérico 

Mas há outras profundas implicações na atual adoção do dolo específico em sede de improbidade, especialmente no tocante a retroatividade da norma mais benéfica (reformatio legis in mellius). Não apenas deve a lei 14.230/21 (lex mitior) retroagir para possibilitar a extinção da punibilidade das condenações por improbidade culposa (aspecto mais tratado pela doutrina após a edição da nova norma), mas também nas condenações fundadas apenas no dolo genérico, pois atualmente o dolo exigível é o dolo específico. Não se afigura possível que alguém possa permanecer condenado apenas com o genérico descumprimento da norma, sem que tenha visado obter benefício a si, a outrem ou a entidade. 

Uma das mais importantes alterações promovidas com a edição da Lei 14.230/2021, foi expressamente fazer consignar em seus dispositivos a incidência no microssistema de improbidade dos princípios do Direito Administrativo Sancionador – DAS[14], bem como seu caráter repressivo e sancionatório especialmente no art. 1º, §4º[15] c/c art. 17-D, caput[16], da lei 4.230/21. 

Por direito administrativo sancionador - DAS tem-se aquele conjunto de regras e princípios que irradiam seus efeitos para quaisquer tipos infracionais administrativos, cuja violação importa na aplicação de sanções pelo Estado, seja pela via jurisdicional ou disciplinar-hierárquica.[17]

Em suma: o microssistema da Lei de improbidade administrativa está vinculado ao Direito Administrativo Sancionador – DAS[18], a ela se aplicando, tanto no seu aspecto material como processual, as mesmas garantias e princípios que regulam e protegem o indivíduo na seara penal, em especial aquele que assegura a retroatividade da lei mais benigna, (novatio legis in mellius) estampada no inciso XL do art. 5º da CF: "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu" e ainda o art. 9 da Convenção Americana de Direitos Humanos.[19]

Este é outro ponto que irá demandar muitas controvérsias e resistência dos tribunais por terem consagrado em sua jurisprudência apenas o dolo genérico para aferir-se improbidade, que em nossa compreensão, resta superado o entendimento do STJ com a edição da lei 14.230/21. Além disso, serão igualmente acalorados os debates que irão mediar o tema da retroatividade do novo regime de improbidade e sua extensão, mormente porque quando este texto foi escrito, ainda não houve julgamento do Tema 1.199 de Repercussão Geral do STF que irá analisar a temática. 

4) Conclusão 

Conclui-se que a LIA passou a exigir não qualquer dolo, mas dolo específico em obter proveito ou benefício indevido a si, a outrem ou a entidade em todos os tipos, podendo retroagir referida norma não apenas nas condenações por improbidade culposa, mas também naquela fundadas apenas no dolo eventual. Tal entendimento é ainda coerente com o binômio improbidade-desonestidade, não sendo suficiente o mero dolo genérico no descumprimento da norma. 

______________

[1] STJ, REsp. 765.212/AC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 23.06.2010.

[2] STJ, AInt nos EREsp. 1.107.310/MT, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, DJe 26.05.2020.

[3] STJ, Jurisprudência em Teses, Edição n. 40: Improbidade Administrativa - II, entendimento n. 9.

[4] Acerca do tema, fazemos remissão ao nosso livro: SANTOS, Rodrigo Valgas dos. Direito administrativo do medo. Thomson Reuters Brasil, 2020.

[5] CAMMAROSANO, Márcio; UNES, Flávio. Improbidade e esvaziamento do dolo. Disponível em: . Acesso em: 25 mar. 2022.

[6] Acerca da confusão entre dolo e má-fé, mas asseverando que a má-fé é condição para incidência das sanções de improbidade, elucida Fernando Gaspar Neisser: "A confusão entre má-fé e dolo é compreensível, especialmente ante a ausência de uma reflexão acadêmica mais profunda sobre a imputação subjetiva na improbidade administrativa [...]. Ainda que haja notável confusão entre os institutos, chamando de dolo da improbidade aquilo que não o é - a má-fé ou desonestidade do agir -, é inegável que doutrina e jurisprudência, em raro acordo, reconhecem que não se pode falar em improbidade sem a demonstração de que a conduta foi praticada com um estado mental de desonestidade. [...] Entende-se que esse requisito se posta ao lado do dolo, sem com ele se confundir, mas também como condição sem a qual não se pode falar em improbidade administrativa. A ausência de má-fé erige-se, assim, como causa de justificação, afastando a antijuridicidade da conduta, como critério negativo, e compondo, em conjunto com o dolo, o elemento subjetivo da improbidade administrativa" NEISSER, Fernando Gaspar. Dolo e culpa na corrupção política: improbidade e imputação subjetiva. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 271.

[7] FERREIRA, Vivian Maria Pereira. O dolo da improbidade administrativa: uma busca racional pelo elemento subjetivo na violação aos princípios da Administração Pública. Revista Direito GV, São Paulo, p. 1-31, set./dez 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rdgv/a/t4j9F3M36jfcvPddbKMnXFK/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 28 fev. 2022, p. 23.

[8] Daniel Amorim Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira igualmente destacam a exigência de dolo específico a partir da Lei 14.230/2021: "Com a reforma promovida pela Lei 14.230/2021, o §2º do art. 1º da LIA supera o entendimento jurisprudencial para exigir, a partir de agora, o dolo específico para configuração da improbidade." NEVES, Daniel Amorim Assumpção Neves; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Comentários à reforma da lei de improbidade administrativa: Lei 14.230, de 25.10.2021 comentada artigo por artigo. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 6.

[9] Segundo Hans Welzel toda ação humana é dirigida a um resultado final e não apenas causal. Trata-se de atividade dirigida de forma consciente a um fim, o que difere substancialmente do acontecer causal que não está dirigido em função do fim: "La finalidad es, por ello -dicho en forma gráfica- "vidente", la causalidad. "ciega". WENZEL, Hans. El nuevo sistema del derecho penal: una introducción a la doctrina de la acción finalista. Tradução: José Cerezo Mir. Buenos Aires: Editorial BdeF, 2004, p. 41. 

[10] Idem, p. 75.

[11] PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de direito penal brasileiro. 13ª ed. rev., atual. e amp. Thomson Reuters Brasil, 2014, p. 236.

[12] No Código Penal, o crime do art. 159 (extorsão mediante sequestro), é clássico exemplo de crime que exige dolo específico e guarda similaridade com as finalidades especiais de vantagem a si, a outrem ou entidade exigidas em todos os tipos de improbidade: Art. 159. Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: Pena - reclusão, de oito a quinze anos.

[13] Acerca do tema, ainda sob a égide do art. 90 da Lei 8.666/1993, o Superior Tribunal de Justiça exige a presença de dolo específico, pois o tipo do crime de frustração ou fraude à licitação exige a finalidade especial de se obter vantagem para si ou para outrem: "(...) Os crimes do caput e do parágrafo único do art. 89 da Lei n. 8.666/1993, visto que distintos, possuem o elemento subjetivo comum de causar prejuízo ao erário por meio da dispensa ou inexigibilidade indevida, nos termos da jurisprudência dominante colacionada. Diversa é a situação do crime do art. 90 da referida Lei, cujo dolo específico exigido no elemento subjetivo do tipo é a intenção de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação, após frustrar ou fraudar o caráter competitivo do procedimento licitatório, por meio diverso do constante do crime do art. 89. Por conseguinte, o dolo específico exigido para o crime do art. 90 é a adjudicação do objeto licitado ou vantagem correlata, não necessariamente o dano ao erário, como prescreve a jurisprudência para o crime do art. 89, ambos, como se afirmou, da Lei n. 8.666/1993." HC 384.302/TO, 5ª Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julg. em 01.06.2017, DJe de 09.06.2017.

[14] Por todos, Fábio Medina Osório: "Consiste a sanção administrativa, portanto, em um mal ou castigo, porque tem efeitos aflitivos, com alcance geral e potencialmente pro futuro, imposto pela Administração Pública, materialmente considerada, pelo Judiciário ou por corporações de direito público, a um administrado, jurisdicionado, agente público, pessoa física ou jurídica, sujeitos ou não a especiais relações de sujeição com o Estado, como consequência de uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva, com uma finalidade repressora ou disciplinar, no âmbito de aplicação formal e material do Direito Administrativo. A finalidade repressora, ou punitiva, já inclui a disciplinar, mas não custa deixar clara essa inclusão, para não haver dúvidas. É com essa definição lato sensu de sanção administrativa (sanção de Direito Administrativo) que buscaremos o exame da unidade da pretensão punitiva do Estado e o alcance dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador, a partir da funcionalidade normativa da cláusula constitucional do devido processo legal." OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 4ª ed. Eletrônica, 2020, item 2.2. 

[15] Art. 1º (...) § 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.

[16] Art. 17-D. A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e não constitui ação civil, vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 

[17] Acerca do ponto trazemos as lições de Eduardo Cordero Quinzacara: "Ni el Derecho penal ni el Derecho administrativo sancionador son estancos separados, sino que son espacios de actuación coordinada en el marco de una política represiva que el Estado puede implementar para cumplir su función constitucional. Existe un espacio que es propio o inherente al Derecho penal, en donde la Administración no tiene cabida (Derecho penal nuclear o Kernstraftsrecht), pero también existe otro ámbito en donde la eficacia en el actuar del Estado no se asegura solo con la intervención de la Administración, sino que requiere también la participación del poder judicial mediante sanciones de la mayor gravedad (Derecho penal colateral o Nebenstraftsrecht). Es en este espacio donde juega la sanción administrativa y comienza su relación dialéctica con las sanciones penales. En definitiva, no existen delitos por naturaleza ni infracciones administrativas que tengan un contenido u objeto que sea exclusivo e inherente a las mismas. Ambas son manifestaciones del poder que tiene el Estado para reprimir determinadas conductas (ius puniendi), sujeto a determinados límites constitucionales, en donde la proporcionalidad se transforma en un elemento esencial. Disponivel em: https://www.redalyc.org/pdf/1737/173725189006pdf Acesso em 07 de dez. de 2021.

[18] Segundo José Roberto Pimenta e Dinorá Adelaide Musetti Grotti: "No cenário atual do DAS Brasileiro, afirma-se progressivamente a finalidade pública da prevenção (geral e especial) e dissuasão, como interesses públicos que devem nortear o exercício de potestades sancionadoras. O que molda o DAS é, primariamente, sua funcionalidade dirigida a tutela de interesses públicos, e, secundariamente, sua função de promover punição, de caráter retributivo, em face de ilícitos. Por outro lado, a lógica inversa é a mola propulsora do jus puniendi, no campo do Direito Penal." Sistema de responsabilização pela prática de atos de improbidade administrativa: críticas ao Projeto de Lei do Senado nº 2505/2021. Disponível em: https://www.anpr.org.br/imprensa/artigos/25560-sistema-de-responsabilizacao-pela-pratica-de-atos-de-improbidade-administrativa-criticas-ao-projeto-de-lei-do-senado-n-2505-2021 Acesso em 27 mar. 2022.

[19] ARTIGO 9 Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinqüente será por isso beneficiado.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (1. Seção). Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.107.310/MT. Relator: Min. Sérgio Kukina, Sessão Virtual de 13/05/2020 a 19/05/2020, DJe 26.05.2020. 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2. Turma). Recurso Especial nº 765.212/AC. Relator: Min. Herman Benjamin, 02 mar. 2010. Data de publicação: DJe  23 jun. 2010. 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência em Teses. Edição n. 40: Improbidade Administrativa - II. Brasília: STJ, 2015. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp. Acesso em: 28 fev. 2022. 

CAMMAROSANO, Márcio; UNES, Flávio. Improbidade e esvaziamento do dolo. Disponível em: http://www.oseleitoralistas.com.br/2014/04/14/improbidade-e-esvaziamento-do-dolo-marcio-cammarosano-e-flavio-unes. Acesso em: 25 mar. 2022. 

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Nova lei de improbidade cria “bônus-corrupção” e pode gerar caos na Justiça, diz ministro do STJ. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/10/nova-lei-de-improbidade-cria-bonus-corrupcao-e-pode-gerar-caos-na-justica-diz-ministro-do-stj.shtml. Acesso em: 27 fev. 2022. 

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Fonte: Migalhas

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